“Em meus sonhos…. eu acordo com uma cabeça de pássaro em minhas mãos, ela me deixa exausto, queima minhas mãos, mas eu não consigo abandoná-la. Ela sai de meu sonho, enquanto eu tento voltar pro sonho, talvez agora nós dois fiquemos juntos… presos entre os espaços.”

“Que comece o Ritual!”

“Bogorodtze!”

“Em uma noite de sono, sem lua, acordei em uma aldeia, névoa, casas de madeira, frio e azul por todos os lados. A fria luz da manhã trouxe meu avô, que silencioso me ajudara no despertar e convida-me para conhecer uma velha tecelã, ele não me apresentou assim, mas ela parecia sua mãe. Pessoas a fitavam curiosas, dedos rápidos, olhar de lago solene em meio às montanhas, havia uma lenda de que suas rendas traziam a sorte e que diziam algo sobre os futuros. Deixamos a velha, estamos agora de frente a um templo. Meu avô me abandona e solta meus dedos como se eu sentisse cada partícula da separação. Diante de mim, sombrio, misterioso e levemente em decadência, como a maioria dos templos, eu penetrei. Dentro dele, sem pessoas, cores difusas, bancos de outras eras, havia ao centro um sacerdote aparentemente cego, braços estendidos como uma divindade que me ofertava duas imagens: A primeira, à minha direita uma gaiola coberta com um pano de veludo roxo, dentro um majestoso pássaro de fogo, no outro extremo, à esquerda, uma cena de luta me apresentava dois cadáveres de pássaros grandes, mortos com as asas abertas e membros para cima. Em um deles havia um ovo, metade fora, metade ainda dentro da criatura. E então eu acordei…”

Eu sou meus ancestrais e eles são eu. Eu estou neles e eles sempre estão comigo, pois vivem dentro de mim. Eu sou o povo antigo e o povo antigo sou eu. Eu já vivi neles e eles hoje vivem dentro de mim.”

 

Lá na esquina, no farol das dunas do elefante…”

“Dizem que havia um circo, vinagre, índios, feitiços, um dente de ouro, uma rainha, 12 abacaxis numa mão e um negro caçado até a morte. Havia pessoas de longe que cruzaram oceanos, havia pessoas da terra! Tão velhas quanto a mais escura e forte terra. Suas mãos contavam histórias, os olhos tinham muitas cores e cicatrizes, ninguém era igual, alguns vinham de outras eras, de outros mundos, mas eu entendia o que elas diziam como se os anos não importassem e as almas pudessem apenas aproveitar o breve tempo que teriam juntas. De uns eu só conheci as sombras, de outros o peso da mão, das palavras que fazem sangrar mitos de guerra, fome de tempos, ameaças e o silêncio das histórias não contadas que se mesclavam com o forte barulho de um lugar na esquina dos trópicos. A esperança vinha de janelas de papel, sombras de um mundo até então imaginado. As casas eram baixas, elas cresceram com os anos, e as árvores diminuíram assim como as crianças. Alguns partiram, outros continuam lá… Eu continuo lembrando deles e seguindo suas palavras, alguns eu sigo até a alma! Eu sou parte deles e eles são parte de mim. E mesmo quando eu não posso estar entre eles eu sinto seu beijo no vento. E se um dia o amor me pedir para escolher… pobre e solitário se tornará.”

“Enfeitiçado…”

“Cabeça…”

“Em meus sonhos…. eu acordo com uma cabeça de pássaro em minhas mãos, ela me deixa exausto, queima minhas mãos, mas eu não consigo abandoná-la. Ela sai de meu sonho, enquanto eu tento voltar pro sonho, talvez agora nós dois fiquemos juntos… presos entre os espaços.”

Textos: trechos do livro “O Pássaro de Fogo” de Thiago Cóstackz

Obras: “Saga – Feitiço, Xamã e sombras”
Performance: Thiago Cóstackz
Foto: Lienio Medeiros e Creative Images.