“Você dá as Cartas para a Terra” – Intervenção na Grande Capa de Gelo da Groenlândia
Groenlândia, uma palavra que evoca ilha, isolamento, esquimós e é claro aquecimento global.
É nesta terra inóspita onde estão algumas das rochas mais antigas da Terra, o que talvez explique o magnetismo e o mistério desta inóspita ilha que guarda em suas entranhas muito da história geológica do planeta. É difícil imaginar que estávamos no pedaço de terra mais setentrional do mundo e também um dos lugares mais ameaçados hoje.
Groenlândia no idioma local é “Kalaallit Nunaat”, que significa “a nossa terra”, não a terra de posse, mas a terra em que vivemos. Para o povo inuit não existe a minha terra ou a sua terra, para eles não há fronteiras porque se consideram parte do ambiente. No seu sistema de crenças tudo está conectado à Terra: os ancestrais, o idioma, o alimento e até um grande espirito que os conecta a tudo. Sem dúvida, uma invejável conexão com o lugar onde vivem.
Para chegarmos ao começo da enorme massa de gelo, é preciso andar 18km rumo ao interior. Superando nossos próprios limites e enfrentando grandes desafios.
Com 1,71 milhão de km² (2,85 milhões de km³), a Grande Capa de Gelo da Groenlândia é a segunda maior massa de gelo Terra, atrás apenas da Antártica. Uma vasta área que cobre aproximadamente 80% da superfície da maior ilha do mundo. A espessura do gelo pode chegar até 3 km no seu ponto de maior espessura. Estável, mesmo em momentos de aquecimento no passado, a Groenlândia tem se mostrado um dos lugares mais sensíveis às atuais mudanças climáticas.
Sabemos que eventos e ciclos naturais existem e que a terra começou a ficar mais quente desde o fim da última era glacial. Porém desde o começo das explorações no ártico, há cerca de 100 anos, cientistas vêm registrando uma preocupante aceleração no derretimento do gelo, impulsionado, sobretudo, por nossa sociedade movida a combustíveis fosseis.
Ao analisarem amostras das enormes geleiras, os cientistas conseguem examinar bolhas de ar presas no gelo há milhares de anos. Nelas, centenas de informações sobre eras passadas podem ser colhidas. Quando comparamos estes dados aos atuais níveis de poluentes de nossa atmosfera, fica evidente o tamanho do problema: o homem nunca viveu numa atmosfera como a atual.
Em maio de 2013 a concentração de dióxido de carbono na nossa atmosfera alcançou a marca de 400 parte por milhão, o valor mais elevado desde 3 milhões de anos atrás.
O mar deveria estar completamente congelado nesta época do ano, mas as rachaduras denunciam que algo está errado por aqui. A Terra está em sua fase mais quente em 11.300 anos. Desde os anos de 1970 o ártico recua 12% por década. Desde 1992 a grande Capa de gelo da Groenlândia perde 140 bilhões de toneladas de gelo por ano.
O que causamos ao planeta é irremediável. Mesmo que parássemos hoje de lançar gases de efeito estufa na atmosfera, o que já foi lançado continuaria a aquecer o planeta por séculos. As partes escuras que aparecem sobre o gelo são resíduos de poluição e terra, num lugar cada vez mais quente, o vento leva a terra escura e seca para cima do grande manto. As partículas escuras absorvem mais calor e faz com que o gelo derreta ainda mais rápido do que as partes brancas, que conseguem devolver parte da radiação que recebem. Rochas que nunca haviam sido vistas começam a despertar em meio ao degelo.
Em 8 de julho de 2012 durante o verão do hemisfério norte um satélite da NASA divulgou uma imagem que chocou o mundo: os dados mostravam que 97% da ilha teve ao menos uma fina camada de gelo derretida. E o pior: isto aconteceu em apenas quatro dias.
O degelo das geleiras não é a única tragédia no ártico.
Resíduos químicos provenientes do mundo inteiro estão sendo jogados na atmosfera envenenando o ar, a terra e os mananciais. Ao observar o gelo formado há 50 anos, os cientistas têm encontrado traços cada vez maiores de metais pesados como mercúrio, chumbo e pesticidas, como o DDT, causando doenças e mortes prematuras de humanos e outros animais. Estes poluentes percorrem longos percursos sob forma de gás, se condensam, caem sobre a neve, que derrete, e entram no oceano contaminando a cadeia alimentar. Cada vez que um ser se alimenta do outro, a concentração e toxidade vão aumentando na cadeia. Estas substâncias já foram encontradas até no leite materno de mulheres inuits.
Os níveis dessas substâncias têm crescido exponencialmente no decorrer dos anos, o sangue dos inuits possuem algumas das mais altas taxas de metais pesados do mundo. Com a crescente exploração de petróleo na região do ártico isso só tende a piorar.
Como em um jogo de pôquer, onde alguém dá as cartas, nós damos as cartas para a Terra e parece que não estamos dando as melhores.
Baía de Narsarsuaq
Aqui, onde os sinais do aquecimento global são mais visíveis, havia um consenso entre o povo local e os cientistas que encontramos: os verões estão cada vez mais quentes na Groenlândia. Em pleno começo de outono a quantidade de icebergs que chegavam à baía de Narsarsuaq era preocupante. Soavam como enormes lágrimas de gelo, derramadas pela grande mãe Terra.
Em certo momento, durante uma conversa com o povo local, dissemos que no Brasil existem muitos céticos com relação ao aquecimento global, nesta hora uma senhora inuit mudou de expressão e nos disse: “se lá duvidam que ele exista, aqui nós sabemos exatamente o que ele significa”.
É chocante perceber a velocidade com que estes icebergs derretiam, alguns maiores que um carro, derretiam em menos de 48 horas. E estamos falando de um lugar muito frio, em pleno Ártico. Gota a gota, eles vão se tornando parte de um oceano cada vez mais quente.
Enfim, nunca foi tão quente na Terra dos inuits. Pelo menos, não que o homem tenha visto…
Aqui aos pés do círculo polar ártico, onde o céu presenteia os olhos dos visitantes com belas auroras, seguimos nossa viagem no topo do mundo.
Saiba mais assistindo ao documentário:
Deixe uma resposta